Urna eletrônica pode ser fraudada? Especialistas explicam
Bruna Borges
Do UOL, em Brasília
Do UOL, em Brasília
A urna eletrônica usada no Brasil não é totalmente confiável, está
sujeita a fraudes internas e externas e não permite auditoria, segundo
especialistas ouvidos pelo UOL. Isso significa que seu voto pode ir a outro candidato e não necessariamente o crime será descoberto.
No último teste público do equipamento promovido pelo TSE (Tribunal
Superior Eleitoral), em 2012, uma equipe de especialistas em computação
da UnB (Universidade de Brasília) descobriu uma lacuna no sistema de
segurança. O tribunal não permitiu novos exames públicos e não respondeu
por que não realizou mais avaliações.
"Atualmente votamos com
confiança incondicional na autoridade eleitoral e seus processos, algo
que não faz qualquer sentido do ponto de vista de segurança", afirmou
Diego Aranha, professor de computação da Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas) e da UnB, que liderou o grupo de especialistas em segurança
e tecnologia da informação que encontrou a brecha na urna.
O
grupo conseguiu quebrar o sigilo da urna e desembaralhar a ordem dos
votos fictícios registrados no equipamento. "Em um sistema com registro
puramente eletrônico dos votos, como o brasileiro, há o perigo
constante de fraude em larga escala via software e sem possibilidade de
detecção. Uma fraude sofisticada pode inclusive eliminar os próprios
rastros, tornando-se indetectável até em uma auditoria posterior nas
memórias internas dos equipamentos", explicou Aranha.
Para o
professor Pedro Rezende, do Departamento de Ciência da Computação da
UnB, a votação no Brasil continua podendo ser fraudada mesmo depois de
ser informatizada. "Não há sistema informatizado invulnerável. Qualquer
interessado em fraudar um complexo sistema informatizado buscará o
caminho que lhe ofereça melhor relação entre o esforço ou dificuldade de
execução, e o risco de ter o efeito da fraude desvelado e anulado ou a
sua autoria rastreada e punida."
Questionado sobre a segurança da urna brasileira, o TSE (Tribunal
Superior Eleitoral) tergiversou. "A confiabilidade não é determinada
pela razão, mas pela percepção que uma ou mais pessoas têm sobre algo
(equipamento, processo, governo, cliente, fornecedor, etc). No entanto, a
segurança deve ser garantida por barreiras impostas tendo como base a
realidade e não em aspectos subjetivos da percepção", afirmou Giuseppe
Janino, secretário de Tecnologia de Informação do tribunal.
O TSE
também afirmou que tem buscado bloquear possíveis ataques, mas
reconhece que "tais barreiras nem sempre 'garantidamente' impedem uma
fraude". Segundo Janino, o fraudador "com grande margem de
certeza" deixa marcas que permitem sua identificação. O secretário, no
entanto, não explicou que meios utiliza para manter a segurança dos
dados nas eleições e fiscalizar supostas sabotagens nas urnas. Também
não informou o percentual do que chama de "margem de certeza".
Críticas e modelos de urnas
Uma das recomendações dos membros do Fórum do Voto Eletrônico é a
introdução do voto impresso complementar para que o eleitor possa
conferir se seu voto foi registrado corretamente na urna para permitir a
auditoria independente da apuração do TSE. A iniciativa ocorre na
Argentina, Israel, Estados Unidos, Equador, Bélgica, Canadá e Peru, de
acordo com os especialistas.
A Justiça Eleitoral brasileira
implantou a urna eletrônica em 1996 e utiliza desde então um modelo de
equipamento que os especialistas em segurança da informação chamam de
sistema de 1ª geração, que é exclusivamente eletrônico. Já foram criadas
as de 2ª e 3ª geração, que incluem uma versão impressa auxiliar ao meio
eletrônico.
O equipamento usado no Brasil é do modelo DRE
(Direct Record Electronic) foi criado em 1991. Ele conta votos
eletronicamente, mas não permite a verificação ou a recontagem
independente de software. Isso quer dizer que se a votação ou a apuração
for violada dificilmente será identificada e sua auditoria não é
possível, apontam especialistas.
Há também equipamentos de 2ª
geração como o modelo VVPT (Voter-Verifiable Paper Audit Trail) criado
em 2000. Esse sistema exige um registro impresso do voto digital para
que seja possível uma auditoria independente do software da máquina.
"Alguns tipos de urna requerem o registro material [de papel] na entrada
da coleta eletrônica, onde uma cédula é escaneada, enquanto outros
geram o registro material como saída, imprimindo uma cédula
correspondente ao voto digital coletado", explicou Rezende. Segundo o
professor da UnB, esse modelo é passível de sabotagem também porque se
houver discrepância entre a contagem eletrônica, automática, e a física,
com o papel do voto, a auditoria não consegue descobrir qual delas foi
violada.
Os especialistas destacam o modelo E2E (End-to-End
auditability) que é de 3ª geração como o mais transparente. Essas
máquinas começaram a ser usadas em 2006 na Argentina e em regiões dos
Estados Unidos. O modelo concentra as duas versões de voto, a impressa e
a digital. O voto é eletrônico, mas gera um papel com voto e um chip
com o registro do voto eletrônico. Assim, caso haja alguma discrepância
entre uma contagem eletrônica e do voto impresso, é possível identificar
a origem do erro ou da fraude.
"Votação puramente eletrônica e
votação puramente em papel são sistemas vulneráveis a vários ataques.
Combinar as duas tecnologias exige que o fraudador seja capaz de
manipular não apenas as cédulas eleitorais, mas também a contagem
eletrônica de votos, para que ambos os registros sejam compatíveis, o
que termina por aumentar o custo de ataque substancialmente", afirmou
Aranha. "A imensa maioria das máquinas de votar em operação em outros
países obedecem a esses princípios, para que os resultados não dependam
unicamente do software de votação. Em sistemas com registro físico dos
votos, tentativas de manipular o resultado se tornam visíveis, e,
portanto passíveis de detecção por eleitores ou fiscais de partido."
Os especialistas consultados pelo UOL explicam
que a fraude no sistema exclusivamente eletrônico é difícil de ser
identificada porque não há outra maneira de contagem de votos que
identificaria um erro ou sabotagem. Se o voto eletrônico fosse combinado
com o impresso seriam duas contagens que precisariam ser
correspondentes e uma funcionaria como auditoria da outra. Em caso de
fraude, ficaria muito mais difícil ao responsável pela sabotagem
corromper os dois meios de votação, impresso e eletrônico.
"Uma
solução interessante é adotada na Argentina: cada cédula de votação
carrega o registro impresso (para verificação pelo eleitor) e eletrônico
(para apuração rápida) de um voto individual", defendeu Aranha.
Concentração de poder da Justiça Eleitoral
No Brasil, o TSE organiza e julga o processo eleitoral e isso
comprometeria a isenção do órgão, segundo os especialistas. Eles
defendem que seja criada uma entidade independente para organizar as
eleições e que o TSE fique cuide exclusivamente dos processos
judiciários das eleições como julgamento de registros, impugnações,
recursos, entre outros.
Para Amílcar Brunazo Filho, o principal
problema do sistema de votação no país é a concentração de poder da
Justiça Eleitoral. É o que os especialistas chamam de "autoridade
eleitoral". "O TSE são juízes e administradores. A regra de
transparência é estabelecida por eles. Se você questiona, eles vestem a
roupa de juiz e vão julgar se erraram?", questiona.
"Até onde
sei, dentre as democracias atuais, só no Brasil as votações oficiais são
regulamentadas, executadas e julgadas por uma mesma instituição. Mais
precisamente, por um ramo atípico do judiciário cuja cúpula congrega
metade dos juízes da Corte Suprema, os quais não se constrangem em
alardear, até em sentenças, a falaciosa suposta invulnerabilidade do
sistema de votação que eles controlam", declarou Rezende.
Questionado a respeito da concentração de poder, o TSE não se posicionou
sobre a crítica feita pelos especialistas nem respondeu sobre a
possibilidade de ser criado um órgão independente para administrar as
eleições.
A resposta da seção jurídica do TSE sobre esta questão
foi: "a Constituição de 1988 não dispõe sobre a competência da Justiça
Eleitoral, limitando-se a dizer que ela será definida em lei
complementar (art. 121, caput), porém tal lei complementar ainda não foi
editada, acordando os doutrinadores que se consideram as disposições do
Código Eleitoral."
Aranha e um grupo de especialistas em
computação desenvolveram um aplicativo para que o próprio eleitor atue
como auditor da apuração eleitoral, o "Você Fiscal". A ideia é auditar o
processo final da votação, a chamada totalização, que envolve a soma
dos resultados parciais produzidos por urnas eletrônicas em todo o país.
Para utilizar o aplicativo, o eleitor deverá tirar fotos do BU (boletim
de urna) que é disponibilizado na seção eleitoral ao final da votação.
Esse boletim é uma espécie de recibo emitido pelas urnas eletrônicas dos
votos de cada candidato. As fotos do boletim são comparadas pelo
aplicativo, que também relaciona a informação extraída dessas fotos com
os boletins eletrônicos publicados pelo TSE alguns dias após o resultado
da eleição.
"Desta forma, ficam evidentes possíveis erros ou
fraudes na transmissão dos BUs para os servidores do TSE. A fiscalização
será efetuada nas eleições ainda deste ano e a previsão é de que o
aplicativo fique pronto entre 15 e 20 de setembro", explicou o
professor.